Meu antigo RYALZTX |
Eu tinha um celular e ele era descolado. Seu nome era formado por quatro letras, sendo que apenas uma era vogal. Eu nunca soube pronunciar seu nome e vivia com ele na mão, já que não cabia no bolso. Quando alguém via e ficava impressionado com sua modernidade, logo me perguntava o modelo. Eu dizia:
-RALSZTZ
Ou
-RIALTZC
OU
-REIZORLST
Enfim.
Eu nunca soube pronunciar o nome do meu celular. Mas ele tinha dois ou três
filmes que, na locadora, poderiam ser encontrados na prateleira de “Superlançamentos”.
Ele tinha a primeira temporada de “Madmen” completa gravada nele. Todos os
riffs sombrios de Tommy Iommi, todos os “All right now” de Ozzy Osbourne
estavam nele. Van Morrisson estava nele, junto com “20 best western tracks”.
Geni e o Zeppelin e toda a Opera do malandro também. Ele tinha aplicativos.
Outro dia tirei uma foto de uma abelha numa flor e, trinta segundos depois ela
estava no Instagram. Se alguém na China quisesse ver minha abelha, era só
acessar meu Instagram. Armado de paciência oriental e mãozinhas minúsculas, era
possível digitar uma tese em meu celular, inclusive fazer todos os cálculos
estatísticos. Ele tinha mapas. Eu podia ver o topo do pico do Everest em 3D em
meu celular e, assim, decidir qual face atacar se, um dia, eu resolvesse
escalá-lo. Mas aí aconteceu a tragédia.
Eu
fui ao supermercado e fui ao estacionamento empurrando o carrinho e levando o
celular na mão esquerda. Ele não cabia no bolso. Abri o porta-malas e, suprema
chucrice, coloquei meu RAILTEZER sob o porta-malas, junto à trava de
fechamento. Guardei as sacolinhas e POW. Bati o porta-malas e nada dele fechar.
POW POW POW. Agora sim. Fechou. Nem me dei conta do que havia feito. Mais
tarde, procurei meu RINTZERLI e nada. Usei o velho truque de ligar para mim
mesmo a partir do telefone fixo. Meu ringtone era “Ceremony” do New Order. E
então, quando eu liguei, escutei “Ceremony” vindo das catacumbas do meu
porta-malas. Achei meu RIMERÇULZ COM racho de ponta a ponta na tela.
Xinguei
a Honda, por projetar um porta-malas que poderia esmagar um celular. Xinguei a
rede Pão de Açúcar porque...porque eu estava puto da vida. Mas então a
adrenalina baixou e xinguei quem merecia realmente: eu. E então quis me punir.
Na mesma noite fui ao Extra. Passei pela promoção de azeites, a de óleos
lubrificantes e, depois da pilha de impressoras, cheguei ao balcão de
celulares. Solícito, o vendedor perguntou:
- Posso ajudar?
-Qual seu celular mais barato? Perguntei.
-Este. Mas ele não tem câmera, nem internet,
nem nada.
-Ele fala? Perguntei.
-Fala.
-Quanto custa? Perguntei.
-Oitenta reais.
Comprei.
Meu celular novo tem agenda, contagem regressiva e rádio FM. Ele tem quatro
toques polifônicos possíveis. Escolhi a “Ave Maria”, de Gounod. Quando alguém
me liga, meu celular me faz lembrar um caminhão de gás. E quando escuto aquele
sonzinho de caminhão de gás vindo do meu celularzinho ordinário, logo penso:
-Bem feito, sua mula.