domingo, 27 de novembro de 2011

O RELEVANTE ACIDENTE DE HELICÓPTERO DA NOVA ZELÂNDIA


Eu bebericava o essencial líquido negro enquanto assistia ao noticiário da Globonews. Na pauta, a crise européia, a previsão do tempo, as mutretas do ministro do trabalho e as “impressionantes imagens de um acidente de Helicóptero na Nova Zelândia”. Algo me soou errado. Olhei para o fundo da caneca e, fitando meu reflexo tremulante, tive a iluminação.
Primeiro o que estava errado. O mundo passa por um momento importante. A Comunidade Européia, o centro do mundo ocidental, passa por uma crise político-econômica que pode levar ao seu esfacelamento e isso tudo é apresentado numa reportagem de uns três minutos. Os mesmos três minutos utilizados para mostrar o tal acidente de Helicóptero. Não me entendam, mal. Sinto muito pela família dos tripulantes da aeronave, mas venhamos e convenhamos. Por que mostrar “impressionantes imagens” no noticiário? “Dá audiência” diria você. Sim, dá audiência. Mas no melhor estilo socrático, pergunto porque é necessário mesclar “imagens impressionantes” ao noticiário para aumentar a audiência?
Acho que a resposta mais uma vez está nas cavernas. No tempo de meu tatatatatatatataravô Ug!, ninguém sabia o que era PIB, moeda, governo ou Europa. A comunidade era uma pequena tribo de uns trinta gatos pingados. “Notícia” era quando um dente-de-sabres atacava e matava um ou dois. Nós evoluimos para nos chocar e solidarizar com o drama individual. O nosso intelecto sabe que a coisa está preta na Europa, mas nosso eu primitivo se choca mesmo é com uma bola de fogo girando desgovernada.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

SOM POP E A MÁSCARA DO KISS




Numa dada manhã modorrenta em mil novecentos e oitenta e nada eu aprendia as regras da potenciação quando chegou o bilhete. Desdobrei o papelzinho amarrotado e me deparei com a esquisita caligrafia arredondada de Paragua. Dizia simplesmente assim: “eles tiraram a máscara”. Se um bilhete assim tivesse chegado a mim hoje, eu nem entenderia. Quem tirou a máscara? Mas naqueles anos, eu sabia muito bem. Meu coração disparou e a cabeça começou a rodar. O segredo mais bem guardado do Rock and roll (R &R) havia sido revelado. O Kiss tirou a máscara.
            Na saída da escola, a molecada em roda discutia a novidade. Um cara disse que ligou para o tio dele que morava nos EUA e o tio havia dito que tinha visto a foto do Kiss sem máscara. Que injustiça! Como é que um cara velho que nem curte um R & R conhecia o rosto do Kiss e eu não? Fui embora contrariado. Em casa, almoçando em frente à TV, meu coração dispara de novo. “Não perca neste sábado no Som pop, o novo clip dos ex-mascarados do Kiss”. Era quarta, e até o próximo sábado, não conseguiria pensar em mais nada. Arrastei os dias e as horas. Minha mãe percebeu meu estado alterado. “Porque você está tão agitado, ansioso?”. Ela não entenderia. O Kiss havia tirado a máscara e eu só veria seus rostos no sábado. Eis que o sábado chegou. Éramos uns dez moleques reunidos para ver o “clip dos ex-mascarados do Kiss”. Exultantes, ouvimos pela primeira vez “Lick it up”. Obviamente, o tão aguardado vídeo foi o último do programa que, ao acabar, dispersou minha ansiedade.

            Então estamos em novembro de dois mil e onze. Artigos científicos, relatórios e capítulos de livros para preparar. Teses, dissertações, trabalhos de conclusão de curso e provas para corrigir. Pintura e conserto das portas e vitrôs do apartamento. Presentes de final de ano. A ceia de natal e o Reveillon. Esticar o 13º salário. Revisão no carro. Final do campeonato brasileiro. Duzentas mil coisas na cabeça ao mesmo tempo. Duzentas mil preocupações e eu me pergunto: que horas vai acabar esse Som pop?

domingo, 13 de novembro de 2011

FILOSOFANDO COM A PANÇA CHEIA DE FEIJÃO TROPEIRO

Via de regra, nossas cidades começaram da seguinte maneira. Confortavelmente instalados no litoral, olhamos para a imensidão verde do oeste e sentimos um comichão, imaginando riquezas infinitas ali escondidas. Botamos o chapelão na cabeça e enchemos o embornal com farinha de mandioca e um naco de toucinho. Lubrificamos o trabuco e afiamos o facão. Demos um beijo na esposa, passamos a mão na cabeça dos filhos e partimos. Chegando a uma região mais ou menos plana e com um curso d’água, desbastamos a mata, trazemos a mulher e os moleques e plantamos cana ou café. Vem então a igrejinha, o coreto e a prefeitura. E o resto é história. Mas em Ouro Preto não foi assim. Ouro Preto tinha ouro e um relevo inclemente. Hoje o ouro se foi e ficaram as ruas verticais e as belas igrejas que sustentam a economia da cidade.
            Estive em Ouro Preto recentemente e escalei três Kilimanjaros, quatro K9 e cinco Everestes para comprar cotonetes. Com a pança cheia de Feijão tropeiro com bisteca de porco, amaldiçoei cada passo naquelas pirambeiras improváveis. Mas na porta da farmácia, em frente à feirinha de artesanato em pedra sabão e da Igreja de São Francisco de Assis, tive a revelação. Em Ouro Preto, as ladeiras zombam da nossa ganância passada.

domingo, 6 de novembro de 2011

PAULO LUMUMBA, CAMPEÃO MUNDIAL DE PAR OU ÍMPAR

            E eis que a população mundial excedeu a barreira dos sete bilhões de habitantes. Para comemorar o fato, Craig Nelson e a equipe da Loteria Universal (LU) promoveram o “Primeiro Campeonato Mundial de Par ou Ímpar”, cujas regras foram bastante simples:
1-     Todos os habitantes da Terra com pelo menos um dedo em alguma das mãos e mais de 5 anos de idade são obrigados a participar.
2-     Basta perder uma disputa e o participante é eliminado.
            No supercomputador da LU, o banco de dados com o cadastro de todos os seres humanos existentes foi usado para sortear as partidas. Minha vizinha, Dona Cida, teve que tomar um vôo para Kuala Lumpur para encontrar seu oponente. Perdeu logo na primeira rodada e deu graças a Deus de não ter mais que viajar só para disputar um simples par ou ímpar. Mas ela era uma exceção. A maioria estava é gostando da brincadeira.
            A rodada de número 29, conhecida como “A grande final”, obteve os maiores índices de audiência jamais registrados na história. Metade do planeta torceu para Den Li Chang, o representante chinês. O restante, para Paulo Lumumba, de Angola. Eu particularmente torci para Paulo por pura fraternidade lingüística. E ele ganhou. 
            Paulo Lumumba, com suas incríveis 30 vitórias seguidas, foi sagrado o primeiro campeão mundial e instantaneamente tornou-se uma celebridade. As pessoas viam Paulo como uma espécie de profeta. Cultos chegaram a ser criados para adorá-lo. Mas, assim como veio, sua incrível fama se dissipou. E foi assim que aconteceu. 
          Seis meses após o término do Campeonato e aproveitando a popularidade de Paulo, a voraz LU organizou o "Primeiro Campeonato Mundial de Cara ou Coroa", nos mesmos moldes do campeonato de par ou ímpar. Desnecessário dizer quem era o grande favorito. Impossível descrever a comoção mundial causada pela derrota de Lumumba logo na primeira rodada. O grande campeão foi batido em casa por Dona Cida, que após o grande feito simplesmente levantou os olhos e disse em voz alta para si mesma: "para onde é que eles vão me levar agora..."