sábado, 25 de junho de 2011

FANTASIA INTERGALÁCTICA COM O SENADOR JOSÉ SARNEY

   O que narro aqui aconteceu num futuro muito, muito distante mesmo. Quando o sol começou a se expandir e a temperatura foi ficando insuportável, o presidente do Brasil resolveu que já era hora de tomar providências. Já que estava tudo perdido, era necessário preservar a civilização brazuca. Ficou acertada a criação de um gabinete especial para tratar do tema. O objetivo era construir uma nave que, sob a responsabilidade de um astronauta legitimamente brasileiro, levaria para um planeta, numa galáxia distante e segura, diversos ícones de nosso país varonil. Alguns bilhões de reais depois, a nave não passava de um projeto na prancheta. Foi feita uma CPI para descobrir o destino do dinheiro, mas nada foi comprovado. Acabou que compraram um antigo foguete espacial russo, colaram um adesivo “E se não fosse a cana?” e o converteram para etanol.
            Na base de lançamento em Alcântara-MA, o chefe da “Missão verdeamarela” termina o check list com nosso bravo piloto:
- Ararinha-azul e mico leão dourado?
-Confere.
-Cd com a “Aquarela do Brasil”?
-Confere.
-Berimbau?
-Confere.
-Documentos secretos do Governo Federal?
-Ã?
-Mas você só não esquece a cabeça porque está colada, hein? Passa lá no Congresso Nacional e pega tudo antes de ir.
            O astronauta dá um pulo na capital federal. Lá no Congresso, o boy lhe passa uma caixa cheia de papéis amarelados, datados de 1870, 1980, 1990. Velhos mesmos. Rapidamente fecham a caixa com fita crepe e escrevem com pincel atômico: documentos secretos. Com o porta-malas lotado, a caixa é colocada no banco do passageiro. O intrépito cosmonauta escreve no GPS “Markarian 739”, acerta o retrovisor, dá um aceno para o boy e parte de nosso planeta condenado. Como se pode imaginar, a viagem de cerca de 425 milhões de anos luz é um tédio. Na paisagem, apenas pontinhos luminosos. Ao lado, a inscrição “documentos secretos” instiga a curiosidade do herói solitário.
            Pousou num planetinha que nem nome tinha. Abriu a porta, alongou-se gostosamente, fez xixi e olhou a sua volta. Pedras e areia. Muitas pedras e muita areia. Abriu o porta-malas, soltou a ararinha e o mico. Felizes da vida, os animais fugiram para longe. Abriu a grande caixa e pegou um pequeno livro com capa de couro onde se lia “Traquinagens do Presidente Emílio Garrastazu Médici”. Sentou-se à sombra de um grande rochedo e abriu a primeira página. Pensou que estava louco, mas escutou – “pode parar”. Virou-se e viu a figura. Um homem idoso, de cabelos gomalinados e repuxados para trás agitava o dedo indicador para a esquerda e para a direita. Entre a boca e o nariz, o indefectível bigode.
-Senador Sarney! Que honra encontrar tão eminente representante da extinta civilização brazuca por aqui.
O velho senador manteve o semblante duro.
-Você não pode ler estes documentos, rapaz. Eles estão protegidos pela lei do Sigilo Eterno.
-Mas senador! Estes documentos datam de milhões de anos atrás. O Brasil nem existe mais.
-Não interessa, moleque! No que depender de mim, o sigilo há de ser eterno...

sábado, 18 de junho de 2011

APELO AO REI ROBERTO

A TV, o três-em-um e o vinil do Rei sobre a mesinha

            Dia destes cheguei do trabalho especialmente cansado, às sete e meia da noite. Com pena de mim mesmo, joguei a mochila no sofá, descalcei as botas e as meias, acariciei os vãos dos dedos, peguei uma exagerada coca cola zero de seiscentos mililitros e me joguei na poltrona. Nem fome tinha. Como a meia era nova, meus pés estavam cheios de bolinhas de fios. Esfreguei um pé no outro para me livrar das indesejadas esferas e estiquei as pernas no pufe. Acionei o controle remoto teclando power, seguido dos números sessenta e seis: o constrangedor Canal Brasil.
            Na tela, o jovem Rei Roberto Carlos pilotava um helicóptero que sobrevoava o idílico Rio de Janeiro dos anos sessenta. Genuinamente feliz, o Rei sorria e acenava para o Cristo Redentor, para o Copacabana Palace, para os brotos nas praias lotadas e para os anúncios de “Cinzano” e da “Phillips”. Ao som de “Você não serve para mim”, pousou na cobertura de um edifício. O eterno vilão José Lewgoy o convida para um drink. Esperto, O Rei percebe a armadilha e retruca “Não, obrigado”, entra num carrão e – pasmem, desce do alto do prédio suspenso por uma grua. Sensacional. Fiz umas contas de cabeça e constatei a contemporaneidade de meu pai, minha mãe e de Roberto. À época os três eram jovens, belos e desimpedidos. Se o Rei tivesse cruzado o caminho da filha do açougueiro de Bocaina antes do jovem funcionário da CPFL, eu não estaria aqui hoje.
            Encantado com a coolness de Roberto Carlos, desliguei a TV e abri o gavetão do rack onde guardo alguns vinis de estimação. Em meu três em um jurássico coloquei “Roberto Carlos” (o disco de 1971). Ali estava um cara mais maduro. Nos anos setenta, o Rei já não corria atrás dos brotinhos em seu cadillac. Ele agora era o homem de uma mulher só. Canalizava todo seu talento para dizer o quanto sua escolhida era especial. Queria passar o dia todo na cama com a amada, sem ao menos se tocar que “lá fora já é noite e o dia termina”. O Roberto maduro era tão bom ou melhor que o jovem Roberto.
            Na verdade eu contei toda esta história por dois motivos. Primeiro porque eu queria mostrar o quanto eu gosto do Rei Roberto Carlos e segundo porque gostaria de, na qualidade de fã, de fazer um apelo. Hoje o Rei parece que tomou gosto exagerado pelo repertório religioso. Músicas de amor romântico, só as do passado. O vácuo deixado por RC foi sordidamente ocupado pelos estridentes sertanejos. Mas o que o Rei não entende é que não dá para competir com os padres pops que assolam a mídia atualmente. Roberto, deixe o louvor para aqueles que têm a ambição do estrelato e alvará do Vaticano para serem santos. Mostre a este enxame de duplas que pipocam pelo país como é que se faz para derreter uma mulher de verdade. Seja profano, Roberto.

sábado, 11 de junho de 2011

O CÉU DE ÍCARO É O MESMO QUE O DE GALILEU

Lá pelo começo da década de oitenta a revista Recreio ensinava que, para fazer seu próprio arco-íris, você deveria ligar um esguicho numa tarde ensolarada, ficar de costas para o sol, pressionar a saída da mangueira e, com a água saindo em pequenas gotículas num ângulo de aproximadamente quarenta e cinco graus, você teria seu próprio arco-íris. A revista explicava ainda que cada gotícula funcionava como uma espécie de prisma que decompunha a luz e, graças ao ângulo com que o sol incidia, formava-se o belo arco multicolorido. Como de praxe, domingo de manhã comprei na “Vamos ler” meu exemplar, juntamente com os gibis do “Recruta Zero” e o “Almanaque Disney”. Fiquei excitadíssimo com a possibilidade de ter meu próprio arco-íris. Mas a experiência teria que esperar até a próxima sexta, o dia da faxina. Impensável fazer molhadeira noutro dia qualquer. O resultado eu conto no parágrafo final, porque o assunto principal não é meu arco-íris privado, mas sim a frase que despertou a lembrança desta história.
            “O céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu”. Não sei se foi alguém que postou em algum lugar na internet ou se eu estava no carro quando escutei este verso da música dos Paralamas do Sucesso. Não importa. O fato é que ele me incomodou como um espinho na alma durante a semana toda até que eu consegui racionalizar o motivo. E quando eu consigo racionalizar o motivo, o espinho sai da alma causando alívio imediato. Foi por isso que eu me lembrei da Revista recreio, de faxinas e de uma velha polêmica resgatada pelo cerebral Richard Dawkins, em seu livro-manifesto apaixonado pela Ciência chamado “Desvendando o arco-íris”.
            Resumindo muito brevemente. Quando Sir Isaac Newton divulgou suas descobertas sobre a composição da luz, o poeta John Keats escreveu um poema belíssimo, diga-se de passagem, onde acusou o físico de friamente “desvendar o arco-iris”, como se decifrar um enigma da natureza, acabar com seu “mistério”, destruísse sua beleza. (Mais detalhes em http://ohomemhorizontal.blogspot.com/2007/06/keats-versus-newton.html). Do mesmo modo, o céu carregado de mitologia, onde tudo é possível, seria muito mais belo que o céu matemático de Galileu, com suas órbitas previsíveis e periodicidade maçante. É preciso ser ignorante para maravilhar-se.
            O fato é que a sexta-feira chegou. Cheguei da escola, engoli o macarrão com atum e fiquei só de cuecas. Meu pai já havia retirado o Opalão da garagem. Minha mãe já espalhava água pelo terraço: molhadeira oficial, consentida. Com a desculpa de ajudá-la, tomei o esguicho e fui para a calçada. Segui as instruções da “Recreio” e eis que ele surge, entre a casa do Tio Carlão e o córrego da figueira: meu próprio arco-íris. Feliz da vida, espalhei uma generosa porção de OMO na garagem e, esquiando com minha avantajada barriga através do espaço antes ocupado pelo carro, comemorei o fato de dominar a arte e os fundamentos de como fazer os tais arcos multicoloridos. Até hoje, com a desculpa de regar as plantas ou lavar a sacada do meu apartamento, faço meu arco-íris. Que é o mesmo de Dawkins, Newton, Keats, Ícaro e Galileu.

domingo, 5 de junho de 2011

TAXA DE SUCESSO

            Gosto bastante de literatura, principalmente de prosa. Uma boa história, temperada com boas figuras de linguagem descrevendo pessoas, lugares ou estados de espírito são para mim a forma mais nobre de usar a Língua. Os poetas dispensam a história e dedicam-se apenas ao sentido figurado, praticam o estilo. Na poesia, a língua é pura imaginação e viaja sem freios. Tem que ser sensível para gostar. Bem sensível.
            Eu não sou muito de poesia. Prefiro quando a figura de linguagem serve a uma boa história. Aliás, adoro. Lendo “A flor da Inglaterra”, de George Orwell, me deparei com uma série de pérolas que me chacoalham por dentro. Um exemplo. O autor descreve o esquisito Sr. Cheeseman como um anão ao contrário, onde as pernas e braços são longos, mas o tronco é curto. Segue dizendo que as nádegas parecem ligadas diretamente às omoplatas, o que lhe dá a aparência de uma “tesoura ambulante”. Outro exemplo da mesma obra. Rosemary caminhando entre as gentes no restaurante lotado é descrita como “um pequeno destróier deslizando por entre cargueiros desgraciosos”. Tudo muito preciso e inusitado. Coisa de gênio.
            Aqui no Brasil foi descoberto um novo uso para esse recurso estilístico. Explico. Aqui a patuléia trabalha de primeiro de janeiro até 30 de abril para depositar seus ganhos no cofrinho do governo. Ele (o governo) é guloso e o pouquinho que sobra para cumprir o Contrato Social com a patuléia é reguladíssimo. Tão regulado que tem que ter muito jeitinho, tem que pedir com carinho para a dona do cofrinho liberar uns trocos. É aí que entram os amigos da dona do cofrinho. Os amigos da dona do cofrinho podem te ensinar a pedir, te ensinar as palavrinhas mágicas a serem colocadas nas propostas de licitações. Se você for muito colaborativo, os amigos da dona do cofrinho podem te incluir no círculo, aí você passa a ser amigo dos amigos da dona do cofrinho, o que torna sua vida muito mais fácil. Só que é feio cobrar por amizades e informações privilegiadas. Aliás, feio não. É ilegal e imoral. Então, não pode simplesmente dizer que se está vendendo favores ou influência. Tem antes que montar uma “consultoria” e dizer que cobra “Taxa de sucesso”. Coisa de gênio.