sexta-feira, 2 de setembro de 2011

BEATIFICAÇÃO PARLAMENTAR

Bom dia, meu nome é Belzebu. Desde que nasci sempre fui o cão. Enquanto saía da barriga da minha mãe, arranhei seu útero só para escutá-la urrar de dor. Foi só nascer meus primeiros incisivos que eu arranquei o mamilo materno esquerdo. Preferia seu sangue ao leite. Ainda na primeira infância, amarrei o rabo do gato ao do cachorro, raspei a cabeça da minha irmãzinha, soltei o freio de mão do nosso fusca só para vê-lo arrancar o portão e bater no muro da frente. Joguei quilos de sal na horta para que nada mais brotasse. Já moço, inventei para meu pai que minha mãe tinha um caso com o padeiro e com o leiteiro. Botei fogo na casa. Arranquei a sangue frio os dentes de ouro da vovó, roubei a lata de bolachas onde a família escondia as economias e fugi de casa.
Fui para Brasília. Elegi-me deputado federal. A cerimônia de recebimento do diploma foi uma espécie de beatificação. Tornei-me então um ser de luz. Mudei meu nome para São Bel. Passei a usar túnica branca. Um sacoleiro me trouxe do Paraguai uma auréola de neon. Deixei crescer os cabelos e uma longa barba branca. Questão de imagem. Fiz plástica para ficar com olhos de filhote pidão. Fiz estágio com os monges beneditinos para aprender a entoar cantos gregorianos. Tornei-me o deputado da família, dos idosos e do aleitamento materno.
E foi então que minha irmã, que nunca havia me perdoado por raspar sua cabeça, apareceu com um vídeo em que eu aparecia arrancando os valiosos dentes da vovó. Divulgou na imprensa. O Brasil viu o deputado santo enfiar um alicate na boca da velhinha, chacoalhar sua cabeça e então sair com um molar dourado, com raiz e tudo. Como não podia deixar de ser, fui acusado de quebra de decoro parlamentar. Subi ao palanque para me defender:
- Senhores. Se cometi alguma iniquidade, isso aconteceu quando eu ainda não era deputado. Como poderia responder por erros cometidos quando ainda não havia sido ungido com a beatificação parlamentar? Pergunto o que seria desta casa se todos respondêssemos pelos nossos erros quando ainda éramos impuros?
Num silêncio constrangedor, votaram todos secretamente pela minha absolvição 

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