domingo, 1 de abril de 2012

HARRISON FORD, MELANIE GRIFFITH E A MAIOR FELICIDADE DO MUNDO


Um filme divertido num dia muito, muito feliz

A enfermeira soltou um único pedaço de fita crepe que mantinha o pequeno pacote coeso e abriu o lençol. Neste momento, o sangue faltou às minhas pernas e apoiei a testa no vidro. Foi então que, através das lágrimas e do hálito condensado, eu vi você pela primeira vez. Como alguém que faz uma longa viagem e fica muito tempo na mesma posição, vi você alongar braços e pernas enquanto o peito subia e descia para encher os pulmões com aquela novidade chamada ar. Seu urro da vida fazia o curativo do umbigo balançar. Como Jacques Cousteau, fiz um OK interrogativo para a enfermeira, que me respondeu sorridente com um OK tranqüilizante enquanto fechava a cortina. Fim do primeiro ato.
            E então, antes do amor, veio o pânico. Tem cérebro? Será que respira? Será que escuta? Será que enxerga? O coração bate direito? O intestino funciona? Tem dez dedos nas mãos? E nos pés? Porque um curativo tão grande no umbigo? Em casa, o pânico persiste. Mamou direito? Arrotou? Mijou? Cagou? Está limpa? Tem calor? Tem frio? Quer dormir? Quer acordar? Porque chora? Tem cólica? Visitas, por favor, Olhem de longe e nem pensem em pegar no colo. É bom nem entrar no quarto. Confesso, confesso. Foram cinco meses de pânico. Cinco meses sem amor. E foi então que tudo mudou.
            Era um daqueles feriadinhos providenciais de quarta-feira, sem emenda com o fim de semana. Deitei-me no tapete da sala e tirei a almofada do sofá para apoiar a cabeça. Na sessão da tarde, passava o divertido “Uma secretária de futuro”, com a ex-bela Melanie Griffith e o eterno Indiana Jones. Acomodei você sobre meu peito, de bruços. E então, enquanto Sigourney Weaver quebrava o pé, caímos no sono. Uns trinta, quarenta minutos depois, despertei assustado com o plim-plim que anunciava o fim do intervalo comercial. Suas mãos pressionaram levemente meu peito enquanto você levantou vacilante o cabeção para me fitar com seus imensos e narcotizados olhos azuis. Babando profusamente na minha velha camiseta “Farma USP Ribeirão”, você abriu um adorável sorriso banguela e, exausta do esforço, desabou novamente num sono profundo.
            Com cuidado, levantei-me do chão sem que você acordasse. Fui ao quarto e pus você no berço. Sorri ao ver a marca da dobra da minha camiseta impressa na sua bochecha branquinha e voltei para a sala. Harrison Ford cravava um beijo apaixonado em Melanie enquanto eu pensava: pode alguém ser mais feliz que eu? E foi assim, minha filha, que eu nasci para você.

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