domingo, 5 de fevereiro de 2012

EMIL ZATOPEK OU A LOCOMOTIVA HUMANA

Zatopek (à esquerda) e Mimoun

Aconteceu há muitos anos atrás. Muitos. Dezenas de milhares, para ser mais preciso. Dois macacos pelados encontraram-se na savana. Um deles levava uma clava, o outro, uma clava e um preá morto, atado à cintura. O macaco sem preá falou:
-Quero seu preá.
            O macaco com preá rebateu.
-Nem a pau!
            Conhecendo os milhões de anos de evolução dos macacos pelados até aquele instante, qualquer um poderia prever que uma contenda como aquela terminaria invariavelmente com pelo menos um crânio esmagado a pauladas. Mas então tudo mudou. Surpreendentemente, o macaco com preá disse:
-Está vendo aquele baobá lá longe? Quem chegar primeiro leva o preá.
            E correram. Calhou de ganhar o macaco sem preá. O adversário, sem maiores reclamações, desamarrou o preá da cintura e ofereceu o bicho ao outro macaco pelado dizendo:
-Parabéns.
            Ao que o outro respondeu
-Obrigado.
            Apertaram-se as mãos e foram embora, vencedor e vencido, com os crânios intactos. Não se ouviu guinchos intimidadores, nem urros violentos. Apenas um suave menear de cabeça e o civilizado “Obrigado”. Inventava-se assim, num único momento aparentemente banal, a corrida, o troféu, o campeão e, mais importante, o ser humano. Perceba-se então que o corredor é a essência do humano. E ninguém representou melhor esta essência que o grande Emil Zatopek, mais conhecido como a locomotiva humana.
            Emil já havia conquistado uma medalha de ouro olímpica nos 10.000 m e uma de prata nos 5.000 m em Londres quando foi para os jogos de Helsinque, em 1952. No primeiro dia, e com imenso favoritismo, ganhou fácil sua segunda medalha de ouro olímpica nos dez mil. Um dia depois, papou o ouro nos cinco mil. Mas então, quando todos acharam que Zatopek já havia terminado sua incrível participação nos jogos, ele foi sublime. De última hora, resolveu participar da maratona, prova que ele nem treinava. Sem a menor idéia do ritmo que deveria se impor, decidiu seguir o líder. Vinte e cinco quilômetros depois, achou que o líder estava lento demais e disparou, chegando dois minutos e meio à frente do segundo colocado.
            Quatro anos depois, um Emil combalido por uma hérnia tentou defender a medalha de ouro na maratona. E então ele foi mais humano do que locomotiva. Ao chegar em sexto lugar, foi cumprimentado efusivamente por seu grande amigo e rival Alan Mimoun, o vencedor. Mimoun, além de francês, era freguês e já havia perdido três finais olímpicas para Zatopek, que sempre o consolova, consternado:
-Sua hora vai chegar.
            E quando ela finalmente chegou, há quem jure que Emil, fora do pódio, estava mais feliz do que jamais esteve num final de prova. Abraçado a Mimoun, gritava em seu ouvido:
-Você conseguiu, meu amigo.
            E pensar que tudo começou com um preá...

Um comentário:

  1. É, brow...
    Sem referências a qualquer programa de televisão, o esporte é realmente algo espetacular. Não apenas canaliza nossas energias para algo útil, como também permite que às vezes os homens parem de brigar para disputar.
    Falou e disse!
    Abraço!!!

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