domingo, 10 de abril de 2011

GOSTAMOS MESMO É DE VER CORPOS EXPLODINDO

Naquela noite eu havia dado aula na pós-graduação até umas dez e trinta e, como continuaria no dia seguinte logo cedo, me vi obrigado dormir uma noite extra em Franca. O problema é que no meu recanto francano não há TV a cabo. Para a grande maioria dos mortais, isso não é problema. Para mim, é uma fonte de angústias atrozes. Afinal de contas, tinha disponível apenas três canais. Sexta à noite, seiscentos mililitros de coca zero, um pacote de doritos tamanho família e apenas três canais. Resignado, coloco no SBT. Passa “Eu sou a lenda”, com Will Smith.
            Começa que Will Smith é um canastrão. Não me entenda mal, isso é uma qualidade para um ator roliudiano. Afinal, os atores de roliúde são divididos em bons e canastrões. E um filme como “Eu sou a lenda” com um bom ator simplesmente não funcionaria. Mas não era sobre atores que eu queria falar, mas sim sobre o filme. Vale uma pequena sinopse: um vírus terrível transformou todos os habitantes de Nova Iorque numa espécie de zumbis sanguinários e fotossensíveis. Só um ser humano não apresenta os sintomas desta terrível patologia. Adivinhe quem? Will, é claro. Viu só? Tinha que ser um canastrão.
            Bom, Will é uma espécie de cientista militar (?) que busca uma vacina para erradicar o mal enquanto tem que fugir dos humanos dezumanizados sanguinários que querem comê-lo (não há sentido figurado aqui, por favor). Como são sensíveis à luz, as criaturas só saem às ruas durante a noite, hora em que Will precisa se recolher. Devido ao perigo, o cara só sai de casa usando uma arma semi-automática com uma luzinha acoplada e uma super mira e, durante os inevitáveis encontros, há um verdadeiro massacre, afinal Will é esperto e os zumbis são completamente imbecis. Foi durante uma carnificina dessas que me veio o incomodo: porque o cara simplesmente não joga um facho de luz nas criaturas? Precisa crivar de balas um por um?
            Irritado, peguei um bom livro e fui dormir. Hoje, mais de uma semana depois compreendi por que Will estava certo. Independente da mediocridade do filme, contemporizei: qual é a graça de ver um monte de zumbis fugindo de um facho de luz? Ninguém vai ver um filme onde os vilões tem medo de uma “luzinha”. O que gostamos mesmo é de ver hordas de corpos serem perfurados  e se contorcendo em câmera lenta. E que se dane a lógica.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

FILMES DE ANIMAIS "SAPECAS"

Antes de mais nada começo afirmando: não sou desta época. Mas minhas mais remotas lembranças televisivas remetem às reprises de Rintintim numa rede Record que estava há décadas de encontrar o senhor Jesus. Caso você não saiba ou não se lembre, Rintintim era um pastor alemão inteligentíssimo que pertencia a um molequinho tocador de corneta chamado Rusty. Rusty e o cão moravam num daqueles fortes americanos do século XIX, onde os principais inimigos eram os índios. Na década de setenta, matar índios e búfalos era plenamente justificado pelo processo civilizatório, mas o objetivo deste texto não é fazer sociologia barata. Voltemos ao fiel animal.
Rintintim vivia salvando o estúpido Rusty de encrencas como animais peçonhentos, ladrões de gado e outros perigos do velho oeste. Era capaz de dar sua vida para salvar o garoto que, em troca, não lhe dava nada além de um afago. Era um um cão muito desprendido. O tempo de Rusty e Rintintim passou, mas a idéia do “animal que ajuda humano” floresceu e ganhou novos programas. Em tempos de feminismo, apareceu a versão cadela de Rintintim: Lassie. Meiga, super fiel e com uma cabeleira de dar inveja a qualquer uma das Panteras, a collie Lassie arrumava até lares para órfãos humanos. Seguindo a linha mamíferos, mas agora no ambiente aquático, temos o bom e velho Flipper. Todo município brasileiro tem ou teve uma escola de natação chamada Flipper, tamanho o sucesso que este golfinho fez. Gente boa, digo... cetáceo bom, salvou dezenas de vida humanas em situação de perigo marítimo, além de encontrar milhares de dólares em tesouros. Em meus devaneios infantis, sempre quis um Flipper, mas um pequeno detalhe técnico nunca permitiu: morava (e ainda moro) a 400 Km da água salgada mais próxima.
Poderia continuar, invocando o psicanalítico Grilo falante, o estradeiro Lobo do Vigilante Rodoviário ou o irônico gato guerreiro do He-man. Mas acho que você já entendeu meu ponto de vista saudosista: o animal ajudando humano é um sucesso do passado. Pena. Muita pena, porque o que faz sucesso hoje em dia é um outro tipo de bicho. É o odiável “animal folgado”. Explico.
O bicho icônico nesta categoria é aquele gato gordo e laranja chamado Garfield. Jon, o dono do referido felino não passa de um cretino cuja vida gira em torno de um animal que, mais do que aproveitar dele, simplesmente o despreza. Se Garfield fosse algum parente humano meu, cantaria para ele aquela do Chico Buarque que diz assim: “vai trabalhar, vagabundo. Vai se virar, criatura!”. Se fosse meu gato. Ah! Se fosse meu gato já teria virado sabão (ou será que é só cachorro que serve para fazer sabão?).
Outro animal do grupo dos folgados, mas de uma espécie simplesmente indeterminada (uma vez que se trata de um bicho alienígena) é o não menos odiável Alf. No Brasil, tiveram o disparate de fazer a piadinha mais sem graça da tradução televisiva brasileira, acrescentando ao seu nome, o epíteto “o ETeimoso”. Era um animal peludo, com um topetinho ridículo que falava como se tivesse uma batata quente na boca (não sei como era a voz original, mas em português era assim). Originalmente, sua nave caiu no quintal dos Turner, uma família formada pelo pai, mãe e dois filhos (uma adolescente e um molequinho). A partir de então, a vida se tornou um inferno para eles. Como se não bastasse sua aparência e voz irritantes, Alf ainda era um tremendo mau caráter: comprava coisas pelo telefone usando o cartão de crédito dos outros, saía dirigindo o carro da família em alta velocidade, vindo a ser multado inúmeras vezes. Bicho safado  e sem vergonha.
Mas da piece de resistance da categoria eu ainda não falei. Beethoven. Como um chefe de família permite que seus filhos tragam para o centro de suas vidas tamanho transtorno? Porque um homem adulto e provedor de seu lar cede aos caprichos de seus filhos e esposa e simplesmente deixa um canino gigantesco daqueles aprontar tamanho caos em suas vidas? Em uma cena, rodada originalmente para ser engraçada, mas que eu particularmente acho irritante, o tal Beethoven entra todo ensopado no quarto do casal, sobe na cama e chacoalha sua pelagem, ao mesmo tempo em que baba gostosamente.
Saudades do bom pastor alemão em preto e branco...

domingo, 3 de abril de 2011

MOMENTOS HISTÓRICOS DE VENCEDORES E VENCIDOS

Pertenço àquela casta de homens cujo resultado da rodada futebolística importa. Por isso, foram necessárias sete voltas completas da Terra em torno do seu próprio eixo para que eu pudesse digerir o ocorrido. Por que diabos fiquei tão irritado com o centésimo gol de Rogério Ceni em cima do Corinthians? O tempo, senhor da razão, trouxe a resposta. Explico.
Há uns dois anos visitei o museu do futebol, lá no Pacaembu (diga-se de passagem, a verdadeira casa do Timão). Para quem não conhece, o tal museu é muito mais uma exposição multimídia que qualquer outra coisa. Se você acha que vai chegar lá e encontrar as famosas chuteiras brancas do Casagrande, ou uma camisa 10 manchada de suor do fantástico Neto, esqueça. Vai ver é vídeos e mais vídeos. Não me impressionaram muito, mas um deles me perturbou.
Era uma sala pequena e toda negra, onde era projetado incessantemente o fatídico gol de Ghiggia sobre o nosso goleiro Barbosa, no Maracanazo de 1950. Fique parado ali por uns 15 minutos, o que foi suficiente para ver o chute mascadinho e o frango do nosso quíper por pelo menos umas trinta vezes. Hipnotizado, me chamei à razão e sentenciei: puro masoquismo. Sai de lá com trinta arrobas sobre os ombros. Lembrei-me dos inúmeros documentários em que um empobrecido e envelhecido Barbosa se desculpava pela sua falha. Jornalistas das antigas, com suas vozes rrrrrradiofônicas absolviam ou culpavam o miserável. Corta. Voltamos para 2011 e o dia do Corinthians 1 X 2 São Paulo, pelo Paulistão.
Na preguiça do domingo, eu lavava a louça do café quando ouvi Cléber Machado declarar que a falta era perigosa e que Rogério Ceni se encaminhava para a cobrança do que poderia ser seu centésimo gol na carreira. Em pânico, experimentei o que o genial Nelson Rodrigues chamava de “momento proustiano” e revivi o momento na caverna agourenta do Museu do futebol. Será que agora, neste exato momento, estamos fabricando nosso Barbosa alvinegro? Estremeci diante da possibilidade e, deixando um rastro de Limpol pela cozinha, corri para a sala de TV. O resto é História.
Agora, sete dias mais tarde, profetizo futuros documentários onde Rogério Ceni e Júlio César, com suas provectas barrigas e peladas cabeças, darão suas impressões sobre aquele momento histórico num passado longínquo. E eu, pobre de mim. Hei de me lembrar sempre de que vivi aquele momento triste com uma xícara na mão e uma esponja ensaboada na outra.