Naquela noite eu havia dado aula na pós-graduação até umas dez e trinta e, como continuaria no dia seguinte logo cedo, me vi obrigado dormir uma noite extra em Franca. O problema é que no meu recanto francano não há TV a cabo. Para a grande maioria dos mortais, isso não é problema. Para mim, é uma fonte de angústias atrozes. Afinal de contas, tinha disponível apenas três canais. Sexta à noite, seiscentos mililitros de coca zero, um pacote de doritos tamanho família e apenas três canais. Resignado, coloco no SBT. Passa “Eu sou a lenda”, com Will Smith.
Começa que Will Smith é um canastrão. Não me entenda mal, isso é uma qualidade para um ator roliudiano. Afinal, os atores de roliúde são divididos em bons e canastrões. E um filme como “Eu sou a lenda” com um bom ator simplesmente não funcionaria. Mas não era sobre atores que eu queria falar, mas sim sobre o filme. Vale uma pequena sinopse: um vírus terrível transformou todos os habitantes de Nova Iorque numa espécie de zumbis sanguinários e fotossensíveis. Só um ser humano não apresenta os sintomas desta terrível patologia. Adivinhe quem? Will, é claro. Viu só? Tinha que ser um canastrão.
Bom, Will é uma espécie de cientista militar (?) que busca uma vacina para erradicar o mal enquanto tem que fugir dos humanos dezumanizados sanguinários que querem comê-lo (não há sentido figurado aqui, por favor). Como são sensíveis à luz, as criaturas só saem às ruas durante a noite, hora em que Will precisa se recolher. Devido ao perigo, o cara só sai de casa usando uma arma semi-automática com uma luzinha acoplada e uma super mira e, durante os inevitáveis encontros, há um verdadeiro massacre, afinal Will é esperto e os zumbis são completamente imbecis. Foi durante uma carnificina dessas que me veio o incomodo: porque o cara simplesmente não joga um facho de luz nas criaturas? Precisa crivar de balas um por um?
Irritado, peguei um bom livro e fui dormir. Hoje, mais de uma semana depois compreendi por que Will estava certo. Independente da mediocridade do filme, contemporizei: qual é a graça de ver um monte de zumbis fugindo de um facho de luz? Ninguém vai ver um filme onde os vilões tem medo de uma “luzinha”. O que gostamos mesmo é de ver hordas de corpos serem perfurados e se contorcendo em câmera lenta. E que se dane a lógica.