Pertenço àquela casta de homens cujo resultado da rodada futebolística importa. Por isso, foram necessárias sete voltas completas da Terra em torno do seu próprio eixo para que eu pudesse digerir o ocorrido. Por que diabos fiquei tão irritado com o centésimo gol de Rogério Ceni em cima do Corinthians? O tempo, senhor da razão, trouxe a resposta. Explico.
Há uns dois anos visitei o museu do futebol, lá no Pacaembu (diga-se de passagem, a verdadeira casa do Timão). Para quem não conhece, o tal museu é muito mais uma exposição multimídia que qualquer outra coisa. Se você acha que vai chegar lá e encontrar as famosas chuteiras brancas do Casagrande, ou uma camisa 10 manchada de suor do fantástico Neto, esqueça. Vai ver é vídeos e mais vídeos. Não me impressionaram muito, mas um deles me perturbou.
Era uma sala pequena e toda negra, onde era projetado incessantemente o fatídico gol de Ghiggia sobre o nosso goleiro Barbosa, no Maracanazo de 1950. Fique parado ali por uns 15 minutos, o que foi suficiente para ver o chute mascadinho e o frango do nosso quíper por pelo menos umas trinta vezes. Hipnotizado, me chamei à razão e sentenciei: puro masoquismo. Sai de lá com trinta arrobas sobre os ombros. Lembrei-me dos inúmeros documentários em que um empobrecido e envelhecido Barbosa se desculpava pela sua falha. Jornalistas das antigas, com suas vozes rrrrrradiofônicas absolviam ou culpavam o miserável. Corta. Voltamos para 2011 e o dia do Corinthians 1 X 2 São Paulo, pelo Paulistão.
Na preguiça do domingo, eu lavava a louça do café quando ouvi Cléber Machado declarar que a falta era perigosa e que Rogério Ceni se encaminhava para a cobrança do que poderia ser seu centésimo gol na carreira. Em pânico, experimentei o que o genial Nelson Rodrigues chamava de “momento proustiano” e revivi o momento na caverna agourenta do Museu do futebol. Será que agora, neste exato momento, estamos fabricando nosso Barbosa alvinegro? Estremeci diante da possibilidade e, deixando um rastro de Limpol pela cozinha, corri para a sala de TV. O resto é História.
Agora, sete dias mais tarde, profetizo futuros documentários onde Rogério Ceni e Júlio César, com suas provectas barrigas e peladas cabeças, darão suas impressões sobre aquele momento histórico num passado longínquo. E eu, pobre de mim. Hei de me lembrar sempre de que vivi aquele momento triste com uma xícara na mão e uma esponja ensaboada na outra.
Rodrigo, nunca vi ninguém descrever um momento como esse com tanta propriedade, sofri com esse gol, mas um sofrimento distante, não assisti a ele, sofri pelo fato em si, porque logo no Corinthians? Confesso que pouco tenho assistido futebol desde a copa de 98, mas através de seu texto pude "ver" exatamente como foi o gol, sem a xícara e a esponja, apenas com suas palavras.
ResponderExcluirRodrigão, quase morri de rir lendo seu texto.
ResponderExcluirEu estava em um churrasco com uma quadrilha de corintianos.
Quando sai o gol, eu cai infernizando a gambazada. Quase me eles me expulsaram de frente a televisão. Agora vejo o que eles sentiram naquele momento.
Impressionante como você escreve e descreve bem todos seus momentos e textos....Estou a cada dia me interessando mais em suas declarações.Incrivel, adorei....
ResponderExcluirBeijos
Fabiana Freitas
O texto é bom, o sofrimento é compreensível e o museu do futebol, de fato, é mais blablablá midiático e empolgação de quem vê a nobre arte bretã como um turista de camisa florida e máquina fotográfica pendurada no pescoço, mas há uma coisa que muito me incomodou em seu cirúrgico texto: num clássico, no meio da peleja, vc vai lavar louça? Como assim, mano? E depois, o bambi sou eu?! Faça-me o favor...
ResponderExcluir