domingo, 18 de março de 2012

UM DESTINO GARRÍNCHICO PARA O IMPERADOR ADRIANO?

Pacaembu, onde meu pai presenciou o fim

Havia entre eu e meu venerando pai o abismo de uma geração. Apesar do amor incondicional, divergíamos em quase tudo: política, segurança pública, artes e etc. Mas, como diria o presidente FHC, em algumas “issues”, concordávamos alegremente. Compartilhávamos o gosto pelo delicioso fermentado amarelo e espumante. Compartilhávamos também a paixão clubística pelo “Sport Club Corinthians Paulista”. E não raramente botávamos nossas afinidades em prática.
            A título de evitar a censura dos familiares, criamos um ritual para podermos beber a apreciada cerveja digamos, de maneira levemente exagerada. Eram nossos churrascos a dois. Nestas ocasiões, acendíamos a pequena churrasqueira feita de roda de caminhão, espetávamos um grilo num alfinete e fatiávamos uma bisnaguinha seven boys para acompanhar. Tiritando de frio, trinta latas de Skol obedientemente esperavam no freezer. Espocando uma após a outra, o grilo esturricava no fogo enquanto a cabeça ia ficando confusa e a língua, fácil. Cada vez menos Veneziani e cada vez mais Karamazov, falávamos cada vez mais alto e com gestos cada vez mais teatrais. E foi num destes momentos dostoievskianos que ele me contou seu episódio com Garrincha.
            No tempo em que ainda se trabalhava de terno e gravata, meu pai afrouxou a sua para assistir a estréia de Mané no Corinthians, contra o Vasco. Os anos de etanol e cortisona já haviam feito seu estrago e o craque já não era nem sombra do bi-campeão mundial que havia brilhado no Chile. Meu pai contou que deixou o belíssimo estádio do Pacaembu aborrecido pelo resultado: três a zero para o time de São Januário. Mas confessou que, no estacionamento do estádio, sentou-se ao volante da perua rural Willys, acendeu um Hollywood e chorou. Chorou não pelo resultado, mas por Garrincha. Chorou pela forma como seus então dribles desconcertantes eram agora desarmados pelos bocejantes zagueiros vascaínos. Chorou pelo fim.
            Quarenta e tantos anos depois, não temos nem mais Garrincha nem meu pai. E o Corinthians agora já não tem também o imperador Adriano. A bem da verdade, Adriano não tem o currículo e acho que nem tem a mesma paixão destruidora pelo etanol que o ingênuo Mané. Mas, não podemos negar, sua passagem foi igualmente decepcionante. Hoje, os venenos são outros, são outros. Espero que, de volta ao Rio de Janeiro, o roliço atacante encontre razões mais profundas para viver, razões que transcendam a fortuna, as mulheres fáceis e as churrascarias. De Adriano no glorioso Timão, só posso dizer que não deu nem para chorar ao volante...

Um comentário: