|
Um filme divertido num dia muito, muito feliz |
A enfermeira
soltou um único pedaço de fita crepe que mantinha o pequeno pacote coeso e
abriu o lençol. Neste momento, o sangue faltou às minhas pernas e apoiei a
testa no vidro. Foi então que, através das lágrimas e do hálito condensado, eu
vi você pela primeira vez. Como alguém que faz uma longa viagem e fica muito
tempo na mesma posição, vi você alongar braços e pernas enquanto o peito subia
e descia para encher os pulmões com aquela novidade chamada ar. Seu urro da
vida fazia o curativo do umbigo balançar. Como Jacques Cousteau, fiz um OK
interrogativo para a enfermeira, que me respondeu sorridente com um OK
tranqüilizante enquanto fechava a cortina. Fim do primeiro ato.
E
então, antes do amor, veio o pânico. Tem cérebro? Será que respira? Será que
escuta? Será que enxerga? O coração bate direito? O intestino funciona? Tem dez
dedos nas mãos? E nos pés? Porque um curativo tão grande no umbigo? Em casa, o
pânico persiste. Mamou direito? Arrotou? Mijou? Cagou? Está limpa? Tem calor?
Tem frio? Quer dormir? Quer acordar? Porque chora? Tem cólica? Visitas, por
favor, Olhem de longe e nem pensem em pegar no colo. É bom nem entrar no
quarto. Confesso, confesso. Foram cinco meses de pânico. Cinco meses sem amor.
E foi então que tudo mudou.
Era
um daqueles feriadinhos providenciais de quarta-feira, sem emenda com o fim de
semana. Deitei-me no tapete da sala e tirei a almofada do sofá para apoiar a
cabeça. Na sessão da tarde, passava o divertido “Uma secretária de futuro”, com
a ex-bela Melanie Griffith e o eterno Indiana Jones. Acomodei você sobre meu
peito, de bruços. E então, enquanto Sigourney Weaver quebrava o pé, caímos no
sono. Uns trinta, quarenta minutos depois, despertei assustado com o plim-plim que anunciava o fim do
intervalo comercial. Suas mãos pressionaram levemente meu peito enquanto você
levantou vacilante o cabeção para me fitar com seus imensos e narcotizados
olhos azuis. Babando profusamente na minha velha camiseta “Farma USP Ribeirão”,
você abriu um adorável sorriso banguela e, exausta do esforço, desabou
novamente num sono profundo.
Com
cuidado, levantei-me do chão sem que você acordasse. Fui ao quarto e pus você
no berço. Sorri ao ver a marca da dobra da minha camiseta impressa na sua
bochecha branquinha e voltei para a sala. Harrison Ford cravava um beijo
apaixonado em Melanie enquanto eu pensava: pode alguém ser mais feliz que eu? E
foi assim, minha filha, que eu nasci para você.