Uma flor de menina
Dirce era uma flor, um doce de menina. No auge de seus dezesseis anos, tinha longos cabelos pretos, lisos e uma pele de porcelana. Magra e elegante, tinha os modos de uma princesa. Talheres, bombons e lencinhos de seda ela segurava usando sempre as pontas dos dedos. Muito nova e ingênua, bastava uma fita de romance no cinema para que ficasse de suspiros pelos cantos da casa. Sonhava com um marido carinhoso, que lhe beijasse a testa antes de sair e que lhe trouxesse flores ao chegar do trabalho. Nos dias em que ficava assim, área, era mais linda ainda e a mãe sempre lhe dizia, carinhosa:
- Volte para a Terra, minha filha!
Nos chás promovidos pela mãe na grande casa em Laranjeiras, as tias não cansavam de comentar entre uma fatia de bolo de fubá e um cálice de Porto:
- Linda! Um biscuit!
Um pai muito severo
O pai, Dr. Veiga, era um sujeito distinto e respeitado no meio jurídico. Especialista em direito de família, era um guardião moral daqueles que moravam naquela casa, e em especial da filha predileta – Dircinha. Dizia sempre que a virtude de seu lar é que lhe dava forças para suportar as vergonhosas disputas entre pais, filhos e irmãos que era obrigado a mediar dia após dia. Sem tirar o charuto da boca, costumava dizer que tinha que ser muito homem e muito direito para sequer olhar para Dirce. Para namorar, só com sua aprovação. Certa vez, a menina se engraçou com um vizinho. Pediu que a mãe intercedesse, perguntando ao Dr. Veiga se ele consentiria que o menino lhe fizesse a corte.
Respondeu, seco:
Respondeu, seco:
- Ouvi dizer que joga sinuca a dinheiro. Não serve.
E Dirce, com muita paciência, só dizia “sim senhor”. Outro pretendente, outra interseção da mãe e outra negativa:
- Muito pobre. Não serve.
Outros dois pretendentes, outras duas interseções da mãe e outras duas negativas do pai. E a menina, muito doce, sempre as acatava com santa resignação. Um dia, Dircinha conheceu um moço belo e com um físico de Victor Mature. Era direito, de boa família e o melhor – era louco por ela. E ela era louca por ele. Feliz da vida, pediu que a mãe intercedesse novamente junto ao Dr. Veiga.
O velho, embriagado pelo poder de veto, cravou:
- Não serve
Desta vez, a menina retrucou:
- Não serve porque?
- Não serve porque não serve, ora bolas!
- Mas porque não serve?
- Não serve porque eu disse que não serve e ponto final. Cale a boca senão parto-lhe a cara, estás sabendo? Parto-lhe a cara!
Dirce fuzilou o pai com o olhar, não disse mais nada nem derramou uma lágrima. Apenas deixou a sala.
O sumiço
No dia seguinte, à mesa do café, a mãe aflita dá a notícia ao velho:
- Não está no quarto, não está no banheiro, na cozinha ou em lugar algum. Sumiu!
- Como sumiu?
- Sumiu, ora essa! Vai procurar tua filha, homem!
Foi direto à casa do rapaz:
- Por aqui ela não passou.
Bateu de porta em porta, em todas as casas da rua e nada. Chamou a polícia, colou cartazes nos postes. Nada. Passou-se uma semana nesta busca frenética sem pista alguma do paradeiro da filha. Passado este período, já pensava o pior. A própria polícia já dizia que, àquela altura, já devia estar morta, em alguma cova rasa na mata da Tijuca. Desconsolado, voltou ao trabalho.
A última marmita
No escritório, liga o computador e abre o Gmail. No alto da lista, um e-mail direcionado a ele e a todos seus clientes. Clica, e no corpo da mensagem, há apenas um link para “www.dircinha_laranjeiras.blogsafadas.com.br”. Clica novamente, agora no link. E então, seu mundo veio abaixo. O site mostrava uma foto da filha, nua, numa pose lasciva. Estava atracada com um negro enorme cujo rosto estava borrado por um efeito ordinário de photoshop. Acima, lia-se:
“Bem vindos ao blog da Dircinha!
Cada dia uma foto quente
com um cliente diferente”
Cada dia uma foto quente
com um cliente diferente”
Alucinado, o pai correu em direção á janela e atirou-se do décimo andar. Embaixo, a mulher lhe trazia a marmita e pode ver os últimos espasmos do marido espatifado na avenida.