sexta-feira, 12 de agosto de 2011

AO MEU PAI, PELO PRIMEIRO ANIVERSÁRIO DE SUA MORTE

Dia doze será uma sexta-feira, motivo pelo qual esperarei o dia seguinte para celebrar o aniversário da sua morte. Vou transformar a manhã de sábado num ritual pagão, onde cada gesto terá um significado superior, litúrgico e sagrado. Tudo será pensado em sua homenagem e todos meus pensamentos estarão contigo.
            Vou acordar às seis horas e buscar pão na padaria Santo Antônio. Oito para ser preciso. Passarei uma generosa camada de manteiga Aviação em um deles, colocarei dezoito gotas de Zerocal na caneca de porcelana que suas netas lhe compraram em Parati e vou preenchê-la com um quarto de leite desnatado bem quente e três quartos com o café que sua mulher há de preparar. A mesma mulher que vai respirar fundo em desaprovação quando eu espanar a mesa com os dedos, jogando as migalhas no chão. Com a caneca na mão, vou abrir o portão da frente e olhar o céu que haverá de estar muito azul. Será inevitável lembrar-me das pombas, que você criava com tanto esmero. E então será inevitável também chorar.
            Vou enxugar o rosto com as costas das mãos e seguir para seu quarto, que agora uso aos fins de semana. Vestirei shorts, camiseta e tênis. Irei ao parque. Correrei em ritmo forçado cinco quilômetros a mais que o habitual. Sentirei o coração e os vasos sanguíneos pulsarem, a respiração forçada e ouvirei meus passos rápidos. Sentirei também o gosto salgado do suor em meus lábios. E então lhe agradecerei em silêncio, pois esta máquina em funcionamento abusado é um projeto inconsciente seu, que começou há quarenta anos.
            Voltarei para a casa da sua mulher e abrirei uma lata de cerveja muito gelada. E então me lembrarei das incontáveis ocasiões mágicas em que compartilhamos o delicioso líquido amarelo em nossos churrascos a dois. Quinhentos gramas de contra-filé, vinte e quatro latinhas, confidências, recordações e planos. Depois, o sono turbulento entremeado por encontros à porta da geladeira, disputando a garrafa de água gelada. Juras nunca cumpridas de nunca mais fazer aquilo.
            E então, vou acordar sua neta. E, enquanto ela escovar os dentes, vou segurá-la pelos ombros, beijá-la na testa e fitar longamente seus olhos azuis. Os seus olhos azuis. E então vou chorar uma última vez, dobrar minha dor e guardá-la numa velha caixa de charutos, junto outras lembranças doces e sofridas e trancar a sete chaves em meu córtex cerebral. Tomarei um banho purificador para lavar o sal das lágrimas e da transpiração. Encerrarei o culto matinal perguntando para sua mulher o que teremos para o almoço.

3 comentários:

  1. Parabéns Ro!!!!!!
    É muito importante lembrar destes momentos mágicos vividos com esta pessoa especial que era o Tio Zé Maria. Você sabe que ele era para mim um grande amigo além de tio. Você foi muito feliz em seu texto sinceramente me fez chorar de saudade daquele sujeito torrão e ao mesmo tempo sábio. Irritado e ao mesmo tempo doce. Dono de um coração que não cabia em seu peito e extrapolava em amor e carinho para com seus sobrinhos e filhos. Tenho certeza que entre seus erros e acertos ele mais acertou do que errou e hoje está curtindo uma vida tranquila em um plano superior.
    Um grande abraço pra você, Rita, tia Cecília, Ana Lia, Maria Cecília e Thaís nesta data em que sensações de tristeza pela perda e alegria pelo legado se misturam.
    Juninho

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  2. Hoje vc me fez diferente. Embora atrasada, li cada palavra que postou nesse último dia 12. Feliz vc Rodris, que consegue expressar em palavras recordações e sentimento tão bonitos.
    bjs
    Déia (cecchi)

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  3. Rodrigo....as vezes passo pelo seu Blog, acho que vc escreve bem, mas nunca comento nada....Mas confesso que segurei as lágrimas ao ler esta homenagem...Grande Abraço

    Juliana (juchaves)

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